Mais que receitas copiadas em caderninhos, a paixão pela culinária deve estar presente no material genético dos herdeiros, com direito a um DNA muito bem temperado. Toda bagagem cultural adquirida em cursos, viagens e trocas de experiências são fundamentais para o desenvolvimento de qualquer profissional, mas também é bastante perceptível quando o amor pela cozinha vem de pai para filho, sem cobranças ou incentivos diretos. Nos restaurantes associados à Boa Lembrança esse movimento é bem claro.
O talento somado à paixão e à tradição tem rendido boas experiências gastronômicas pelo Brasil afora. O calor na beira do fogão em busca de novos sabores a partir de clássicos ensinados em casa vem revelando nomes no cenário gastronômico. As renovações, não só nas receitas, surpreendem. “Poderíamos ser tomados apenas pela emoção, quando encontramos na cozinha filhos de grandes amigos. Mas aí percebemos que, além de muito amor, a relação com os ingredientes e temperos vai além da admiração. São profissionais que estão sendo revelados e que dominam o conhecimento de cada processo dentro da cozinha. O resultado é mágico.”, revela o Presidente da Associação da Boa Lembrança, o chef César Santos.
Um bom exemplo vem de Maceió. Por lá, o chef André Generoso, do restaurante Divina Gula, se orgulha de ter o filho Vitor Generoso seguindo os seus passos. Com mais de 30 anos defendendo a cozinha brasileira, por onde André passa tem dividindo o conhecimento com o seu herdeiro, com direito ao melhor trocadilho: generosos elogios. Também em Maceió, o Akuaba é outro exemplo de amor pela gastronomia em família. Hoje a casa é comandada pelo chef Jonatas Moreira, mas toda a história foi iniciada pela sua mãe, Vera Moreira, que conseguiu um ponto de equilíbrio misturando o sotaque da comida baiana dela com o refinamento da culinária francesa, aprendida por ele.
No Rio de Janeiro, o restaurante Gosto com Gosto da chef Mônica Rangel foi que deu o sabor da escolha da profissão para o seu filho Dalton Rangel. Juntos conseguem valorizar a cozinha nacional com o máximo de sabor, levando suas receitas, juntos ou separados, por onde passam. Mais um dupla do Rio de Janeiro para se unir a esse roteiro de pais e filhos, são os chefs Paulo Pinho e Daniel Pinho. Vindos do La Sagrada Família, o amor pelas panelas uniu, mais uma vez, a cozinha brasileira com influências do mundo, graças aos clássicos de Paulo e a busca por novidades de Daniel.
A lista é longa e a paixão pelo universo gastronômico não se resume à cozinha. A parceria entre pais e filhos também é encontrada nas taças de vinhos, na formação de sommeliers, na administração dos restaurantes. É o caso de Wanderson Martins, que herdou do seu pai, chef Rosimerio Anacelto, o restaurante Picuí, em Maceió. “No início meu pai administrava a casa e eu ajudava em diversos setores. Depois comecei a cozinhar, mas dividia meu tempo cuidando também da administração do restaurante. Em 2016 ele voltou ao dia a dia do restaurante e eu resolvi focar em eventos”, explica Wanderson.
Em Belo Horizonte, o endereço do chef Clovis Viana foi aos poucos se tornando também a casa do seu filho, Diogo Viana. “Cada vez mais eu tenho tomado à frente do Patuscada e dando mais folga para o meu pai. Sou o filho mais velho e sou formado em Engenharia de Produção. Desde que me formei, assumi a parte administrativa do restaurante. Com o passar dos anos, fui ganhando gosto pela cozinha e percebi que a gastronomia estava também no meu sangue. Decidi, então, trabalhar junto com os meus pais assumindo o Patuscada. Primeiro, no administrativo, depois me aventurei na cozinha e por lá acabei ficando”, conta.
Já a chef Joana Galo, do restaurante Dona Jô (RJ), sempre teve a sua filha Luiza como fiel escudeira. “Desde muito pequena ela me acompanha nas aulas para crianças e nos eventos”, comenta. Também desde pequeno quem sempre acompanhou o pai Marcos Sodré, do restaurante Sawasdee (RJ), foi o seu filho Thiago. “Percebi o interesse aos nove anos. Ele pedia para comprar ingredientes, pois queria preparar alguma coisa que tinha visto na TV”, lembra Sodré. O seu outro filho, Rodrigo, também não ficou de fora desse universo: já trabalhou como comprador no restaurante, além de acompanhar os vários eventos que o pai participa. Na Bahia, o destaque é para o restaurante Don Fabrizio. O chef, Fabrizio Abbate, teve a felicidade de dividir sua cozinha com o seu filho Joshua desde quando ele ainda era criança. Hoje, aos 20 anos, pai e filho comandam a casa, da cozinha à administração.
O Rio Grande do Norte também possui representantes de peso nessa tendência. A chef caicoense Gláucia Veras, proprietária do antigo Benditas Bar, em Petrópolis, teve grande sucesso em seu restaurante. Ao tornar-se empreendedora individual, com as “Benditas Coxinhas”, também teve ótima aceitação na Garajal. Com seu falecimento em agosto de 2017, os filhos deram continuidade ao projeto que cativa o público até hoje com a produção dos petiscos abençoados.
São paixões como essas que fazem a profissão se renovar e ganhar força. Mais que receitas que são passadas por gerações, o cenário gastronômico nacional revive a cada novo prato montado, seja pelos pais ou pelos filhos. Uma herança que engrandece a cultura do País.